No século XIX a Inglaterra já colhia os frutos da Revolução Industrial que iniciara lá no século XVIII, já tendo promovido, através de ato do Parlamento datado de 1833, a extirpação da utilização da mão de obra escravizada em suas colônias ocidentais. Portugual, por outro lado, continuava a sustentar um modelo produtivo agroexportador baseado na utilização intensiva de mão de obra escravizada como fator de produção. Essa discrepância criava entre as grandes nações um antagonismo comercial que pouco a pouco gerava conflitos inevitáveis, porque a Inglaterra considerava o modelo escravagista uma prática concorrencial desleal e optou por criminalizar o tráfico negreiro, sobretudo entre a África e a costa americana (do Brasil, Antilhas, Canadá e Estados Unidos). Assim, sentindo-se prejudicada nas relações comerciais, a nação britânica passou a cobrar das nações europeias escravagistas o imediato encerramento do tráfico negreiro e a paulatina abolição da escravidão também em seus territórios. A British and Foreign Anti-Slavery Society, uma sociedade civil antiescravagista inglesa, criada em 1839, surgiu então para fazer valer a pretensão dos britânicos, iniciando uma verdadeira cruzada contra o tráfico negreiro.
Fig. 01 - Rotas do tráfico negreiro |
Em 1845, pressionado pelos interesses econômicos da sociedade inglesa, representada principalmente na British and Foreign Anti-Slavery Society, o parlamento britânico aprova o Slave Trade Suppression Act ou Aberdeen Act (ou, simplesmente, Bill Aberdeen, por ter sido proposto por George Hamilton Gordon, 4º Conde de Aberdeen). Pelo Ato, a Real Marinha Inglesa estava autorizada a apreender qualquer embarcação destinada ao tráfico negreiro no Atlântico Sul, sobretudo aquelas destinadas a atuar entre a costa africana e a brasileira.
Fig. 01 - Lord Aberdeen, propositor do Bill Abderdeen |
Existe um povo que a bandeira emprestaPra cobrir tanta infâmia e covardia!…E deixa-a transformar-se nessa festaEm manto impuro de bacante fria!…Meu Deus meu Deus! mas que bandeira é esta,Que impudente na gávea tripudia?!…Silêncio!… Musa! Chora, chora tantoQue o pavilhão se lave no teu pranto…Auriverde pendão da minha terra,Que a brisa do Brasil beija e balançaEstandarte que a luz do sol encerra,E as promessas divinas da esperança…Tu, que da liberdade após a guerra,Foste hasteado dos heróis na lança,Antes te houvessem roto na batalha,Que servires a um povo de mortalha!…
O poeta Castro Alves foi abolicionista e republicano |
Assim, a contradição do escravismo passa a significar também uma contradição da própria monarquia, contribuindo para o crescimento, junto com o pensamento abolicionista, do pensamento republicano. Mais contraditório, entretanto, foi que a própria Família Real, até então alinhada aos interesses e à mentalidade dos cafeicultores, acabou também paulatinamente assumindo uma simpatia pelo abolicionismo, constando, inclusive, que participava de ações beneficentes com o objetivo de arrecadar para um fundo que comprava a alforria de alguns escravizados. E esse foi exatamente o elemento que colocou-a em rota de colisão com as elites escravocratas, que insistiam em atrasar ao máximo a abolição, por entender não haver outra alternativa de mão de obra capaz de substituir o trabalho dos escravizados, nem perceber no Império a intenção de indenizar a perda do bem que significava o escravizado na eventualidade da abolição.
Fig. 03 - Secagem de café. Marc Ferrez. 1885. Coleção Gilberto Ferrez. IMS |
Destarte, quando veio a Lei Áurea, assinada em 13 de maio de 1888, pela Princesa Isabel, a monarquia brasileira selou sua sorte, tornando-se inimiga da elite cafeicultora, que passou a tramar sua derrubada. E foi nesse momento que os cafeicultores encontraram no pensamento republicano (cultivado ideologicamente pelos filhos doutores que fizeram estudar na Europa), uma saída pragmática, para se livrar da Monarquia e buscar reorganizar o sistema político de uma forma que lhes fosse favorável na difícil tarefa de, ao mesmo tempo, substituir a mão de obra escrava pela mão de obra livre e buscar a indenização do estado pela perda dos ativos imobilizados nos bens que significavam seus escravos.
Os republicanos capixabas
No Espírito Santo, a penetração das ideias republicanas também se deu majoritariamente a partir do contato dos filhos da terra com a teoria durante seus estudos. Segundo Siqueira (2019), Bernardo Horta e Joaquim Pires de Amorim, dois dos participantes na reunião de fundação do Clube Republicano de Cachoeiro, o primeiro do estado do Espírito Santo, criado em 23 de maio de 1877, formaram-se fora da Província, tendo retornado à cidade por volta de 1880.
Pires de Amorim, por exemplo, adquiriu seu fervor republicanista na Faculdade de Direito de São Paulo, onde fez parte da turma de 1863, a mesma na qual estudaram Campos Sales, Prudente de Moraes e Rangel Pestana. Sua turma, após formada, ficou conhecida como a 'turma dos republicanos históricos'. Bernardo Horta entrou em contato com o republicanismo em Minas Gerais, também no momento da faculdade (SIQUEIRA, 2019, p. 471)
À época em que esses "republicanos históricos" retornaram de seus estudos, Cachoeiro era um centro cafeicultor importante, o maior do Espírito Santo, que escoava praticamente toda a sua produção pelo Rio de janeiro. Por isso, também constituía-se numa espécie de capital de fato do estado, não obstante o fato de ser Vitória a capital administrativa. E é nesta atmosfera, de uma cultura política já desenvolvida, que as elites cafeeiras encontraram-se com o republicanismo (todos os clubes rerepublicanos criados no Espírito Santo, exceto os de Vitória, São Mateus e Santa Isabel, nasceram em Cachoeiro!), tomando-o como tábua de salvação à qual apegaram-se para enfrentar a iminente derrocada do sistema escravagista e a transição para o trabalho livre (com a demanda de indenização de suas peças que fossem libertas).
Afonso Cláudio, republicano de Vitória |
Apesar de o território no qual situa-se Marechal Floriano situar-se um tanto distante da lógica do sistema escravagista que corroborava cada vez mais o republicanismo, lembrando que a mão de obra familiar era o quê tocava os lotes dos imigrantes, não custa lembrar que na Fazenda Amarelos, em Morro Baixo, Peixe Verde (hoje Bom Jesus), o Coronel Mariano Ferreira de Nazareth, um dos presidentes municipais (o equivalente a vereador hoje) de Viana já em 1869, havia escravaria farta, que poderia chegar ao número de 20 negros africanos. Tal fato, a força política do coronel na região, aliado à potência intelectual de alguns moradores da Vila do Braço do Sul, como o professor Ulrich Kuster, considerando-se que o republicanismo constituía uma espécie de modismo intelectual no Brasil, parece ser a melhor explicação para o ideário republicano penetrar com vigor nas mentalidades da população da vila e adjascências.
Johann Ulrich Kuster, um dos fundadores do Club Republicano de Santa Isabel na Vila do Braço do Sul, em 1889. |
Copronel Mariano Ferreira de Nazareth, escravocrata e um dos presidentes municipais de Viana em 1969. |
Sobrado de Phillip Endlich no qual se realizou a reunião de Fundação do Club Republicano de Santa Isabel em 1889. Foto de 1910. |
Ata de fundação do Club Republicano de Santa Isabel, um dos 3 únicos fora de Cachoeiro |
REFERÊNCIAS
LITTIG, Jair. O Club Republicano de Santa Isabel. 2023. 24 slides. Arquivo .pptx. Pen drive.
SIQUEIRA, Karulliny Silverol. Republicanismo ou Republicanismos? Ideias de República na Província do Espírito Santo, 1887-1889. Almanak. Guarulhos, n. 23, p. 454-499, dez. 2019.