sexta-feira, 26 de maio de 2023

O DIA DO "SIM" EM MARECHAL FLORIANO*

Valmere Klippel Santana**


O pesquisador Jair Littig leciona que até 11 de janeiro de 1964, quando o Governo do Estado do Espírito Santo exara a Lei Estadual nº 1.956/64, transformando a Vila do Braço do Sul oficialmente no Distrito de Marechal Floriano (informalmente o lugar já tinha o nome de Marechal Floriano desde a inauguração da estação, em 1900), subordinado inicialmente a Santa Isabel e, a partir de 1921, ao município de Domingos Martins, o local era

[...]carente de tudo; Não tinha ruas calçadas, posto médico, o sistema de água e esgoto era péssimo. Criavam animais soltos, a maioria das casas tinham fossa negra. Ruas não tinha iluminação pública, como também casas. Para deslocar para capital havia um transporte que vinha  de Paraju ou o trem da tarde, mas sem opção de retorno no mesmo dia. A escola era muito pequena para a tender a demanda da época (LITTIG, 2023) 

Essa inanição, entretanto, incomodava a população local, que debatia as questões  do lugar e buscava traçar estratégias para o seu desenvolvimento. E foi desse modo que, por intermédio de pessoas como os moradores Edgard de Carvalho Neves, Evahy Mendes, Alfredo Costalonga e o Coronel Ernesto Vieira da Silva, iniciou-se um processo de debate para a criação de uma associação que unisse os moradores no interesse de desenvolver o agora Distrito de Marechal Floriano. A Primeira reunião do grupo aconteceu no dia 24 de fevereiro de 1964, na casa de Evahy Mendes.

Fig. 1 - Registro de 1974 da Casa de Evahy Mendes
Foto: Jair Littig 

Fig. 2 - Termo de abertura do livro de atas da Associação
Pró-Desenvolvimento de Marechal Floriano

Fig. 3 - 1ª página da ata de fundação da Associação

A partir dessa reunião, da qual participaram 33 moradores,  nasceu e se desenvolveu a Associação Pró-Desenvolvimento Urbano e Rural de Marechal Floriano, além, segundo ainda Jair Littig, da recuperação da intrínseca ideia (cultivada há muito tempo) de que Marechal Floriano estava talhado não apenas para permanecer um distrito de Domingos Martins, mas para ser município e ter autonomia política e administrativa. De acordo com Littig, um dos fundadores da Associação, Edgard de Carvalho, sempre preconizava: "[...] antes da virada do século [século XX], Marechal vai virar município!".

Fig.4 - Fundadores da Associação

Fig. 5 - Os primeiros diretores

Com o funcionamento da Associação, Marechal rompeu com um ciclo de isolamento, creditado ao descaso do município de Domingos Martins por seu novo distrito. E através da Associação ganharam nomes as ruas, veio para o centro da cidade uma agência do banco Bradesco, foi construída a segunda ponte sobre o Rio Braço do Sul, foi instalada uma estação repetidora do sinal de televisão e iniciou-se um sistema de atendimento médico (incluindo-se "indigentes", por que nessa época, quem não tinha INPS ou Funrural não tinha acesso aos serviços de saúde).

Fig. 5 - Trabalho de construção da sede da Associação em mutirão. À esquerda (de boné),
Nides de Freitas, que viria a ser o presidente da Comissão Pró-Emancipação, criada em 1988.


Fig. 5 - O Prédio onde funciona a Prefeitura foi construído pela Associação.

Fig. 6 - Página do Jornal A Voz da Montanha, com a coluna Marechal em Marcha, assinada por Ary Ribeiro da Silva, em 1966.

Mas, apesar desse impulso desenvolvimentista inicial a partir da década de 1960, a ideia da emancipação ficou por muito tempo presa à burocracia, não obstante o fato de estar sempre presente nas conversas dos moradores, vindo a intensificar-se, segundo a escritora e memorialista Giovana Schneider, a partir do final da década de 1980, ganhando contornos de movimento popular no início dos anos 1990, quando logrou arregimentar apoio político e culminou com a criação Comissão Pró-Emancipação Política de Marechal Floriano, em 22 de janeiro de 1988. Nesse movimento, Araguaya, também distrito de Domingos Martins, passou a compor com o distrito de Marechal Floriano, o território que almejava emancipação.

A partir da criação da "Comissão", que passou a ser presidida por Nides de Freitas, com a tesouraria confiada ao professor Adnilses Arthur Machado Filho e a coordenação de marketing entregue ao também professor Silvio Rogerio Lemke . Foram 32 reuniões (antes já havia acontecido mais uma reunião preparatória e aquela de criação da Comissão) para organizar o processo e conduzir os trabalhos, buscando mobilizar os moradores, arregimentar apoio político e romper a burocracia (SCHNEIDER, 2018). Muitas tratativas foram feitas, inclusive negociação com autoridades de município de Domingos Martins, como o prefeito Lourival Berger, que acabou posicionando-se do lado da Comissão, apoiando o movimento. E por fim, 14 de novembro de 1990, com a "invasão" de mais de 200 moradores ao plenário, a Assembleia Legislativa do Espírito Santo aprova lei autorizando o TRE - Tribunal Regional Eleitoral a realizar plebiscito, consultando a população dos distritos de Araguaya e Marechal Floriano, para saber se essa população realmente desejava se emancipar de Domingos Martins.

Fig. 7 - Página do Jornal O Braço do Sul anunciando a aprovação pela ALES do
projeto autorizando a realização do plebiscito


Assim, vencida a burocracia, o plebiscito foi marcado para o dia 30 de junho de 1991, iniciando-se a "campanha pelo sim". Foi o momento de trabalho mais intenso da Comissão Pró-Emancipação, com muitas reuniões nas comunidades para esclarecer os eleitores da importância da emancipação. Mas não foi um jogo de uma só equipe: havia sim pessoas (e algumas bem proeminentes na comunidade) que questionavam se seria mesmo uma boa ideia. Os jornais da época mostram esse debate:

Fig. 8 - O jornal O Braço do Sul mostra as posições divergentes dos
moradores durante o processo de emancipação


Durante a "campanha pelo sim", foi produzido algum material de campanha para esclarecer as vantagens da emancipação, mas também alguns poucos apócrifos denunciando prejuízos à população e denunciando interesses políticos "inconfessáveis" embutidos no processo. Todavia, a aceitação da proposta, posto que se tratava de luta antiga da população, mostrava-se hegemônica, de modo que prognosticar sua vitória no dia 30 de junho era lugar comum entre os analistas. Na coluna "Praça Oito", do jornal A Gazeta, o analista já mostra o favoritismo do sim:

Secessão
O Espírito Santo poderá ter proximamente mais um município: o de Marechal Floriano, que se emanciparia de Domingos Martins e seria formado pelos distritos de Marechal Floriano e Araguaia. Quem desarquivou o processo , a pedido de lideranças políticas e comunitárias da região, foi o deputado Lúcio Merçon (PFL) (A GAZETA, 23/04/1990, apud SCHNEIDER, 2018, p. 246).

 

Fig. 9 - Peça de propaganda da Comissão Pró-Emancipação

fig. 10 - Reprodução do modelo da cédula de votação

E após todo o processo eleitoral, finalmente no dia 30 de junho de 1991 os eleitores foram às urnas, confirmando os prognósticos e votando massivamente pelo sim. Segundo a ata final de apuração, os votos "sim", pela emancipação, alcançou o apoio de 3.623 eleitores, enquanto o "não", dos eleitores contrários à emancipação, somou 288 votos apenas. Ainda se contabilizou 90 votos em branco e 26 nulos, totalizando 4.027 votantes. Naquele período, o voto ainda era realizado com as cédulas de papel depositadas em urnas nas seções, com apuração manual ao final do pleito, sob direção do juiz eleitoral, que à época era Sebastião Vieira Rangel.

Fig. 11 - O "Dia do Sim" no relato da imprensa da época


As comemorações espontâneas pelas ruas da cidade foram muitas no 30 de junho de 1991 e, no dia 31 de outubro daquele mesmo ano de 1991, o governador do Estado do Espírito Santo, Albuíno Cunha Azeredo, sancionava a Lei Estadual nº 4.571, aprovada na ALES, acatando o resultado do plebiscito e criando oficialmente o Município de Marechal Floriano. Por isso o dia do município é comemorado oficialmente no 31 de outubro de cada ano. Mas o "dia do sim", 30 de junho, é lembrado por toda a população como a real data da emancipação.

Fig. 12 - Mapa de apuração do resultado por localidade
feito pela Comissão Pró-Emancipação


Fig. 13 - Ata de apuração do resultado do Plebiscito



Referências

LITTIG, Jair. História da Associação Pró-Melhoramentos de Marechal Floriano.2023. 24 slides. Arquivo .pptx. Pen drive.

SCHNEIDER, Giovana Cristina. Marechal Floriano... Resgatando memórias. Marechal Floriano: s/e, 2018.


* Agradecimentos a Cezar Tadeu Ronchi Junior, Giovana Schneider, Jair Littig e Nides de Freitas pelos momentos de conversa e disponibilização de acervo pessoal sobre Marechal Floriano.

** Escritor e Historiador licenciado em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do Espírito Santo; Titular da Cadeira Arnaldo João Kuster, nº 11, na AFHAL - Academia Florianense de História, Artes e Letras "Flores Passinato Kuster"

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