quinta-feira, 13 de junho de 2024

Como Marechal Floriano surgiu, se desenvolveu e se transformou em município


No final da década de 50 do século XIX, o crescimento vegetativo da população na Colônia de Santa Isabel causava problemas sérios, principalmente em função da carência de terras para os descendentes dos imigrantes pioneiros. Assim, para as famílias enormes, geralmente com mais de 10 filhos, aqueles 10 hectares iniciais que cada imigrante recebeu não eram suficientes para assentar todos os filhos, que constituíam suas próprias famílias e precisavam de terras para tocar suas vidas.

Quando foi nomeado Administrador da Colônia, o engenheiro militar Adalberto Jahn percebeu que o problema já causava conflitos, até mesmo entre irmãos, e decidiu contratar um agrimensor para medir novos lotes para acomodar os descendentes dos colonos pioneiro e também famílias de nacionais. Contratou então , em 1848, o Agrimensor Hermann Steinkopf que, de acordo com evidências, encontra um local com águas fartas às margens do Rio Braço do Sul, no qual decide alocar a ampliação da colônia e faz a medição dos lotes.

Esse lugar no qual foram medidos os lotes passou então a receber os moradores nos lotes medidos por Steinkopf, recebendo, em 22 de outubro de 1862, através do relatório do Coronel e engenheiro Pedro de Alcântara Bellegarde, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, a denominação de Vila Nacional do Braço do Sul.

Navio A. Borsing, com imigrantes germânicos que foram direcionados à Vila do Braço do Sul em 1862.
Foto: acervo de Jair Littig

Em 1900 Phillip Endlich Constrói o primeiro prédio de 2 andares na Vila do Braço do Sul,
situado na margem direita do rio, após o anúncio de que a estrada de ferro passaria pela região.

Foto: acervo de Jair Littig

Apesar das dificuldades iniciais, superadas em parte com a construção de uma ponte para ligar a margem direita do rio (entre a passarela da rodoviária e o local onde hoje se localiza o segundo trevo no sentido Vitória-Belo Horizonte) ao lado esquerdo, por que a vila era um grande banhado, com muito mosquito que transmitia a febre amarela, com o tempo o lugar foi-se desenvolvendo, com mais pessoas chegando depois que outro agrimensor, Pedro Cláudio Soído, mediu mais 100 lotes na margem esquerda do rio.


Entretanto, o verdadeiro divisor de águas para o desenvolvimento da Vila foi a notícia de que por ela passaria a Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo, que começou a ser construída em 1895. E ainda maior importância teve a construção de uma estação desta estrada de ferro, dentro da vila, cujo término se deu no ano de 1900, com inauguração em 13 de maio daquele ano. Este evento foi marcado pela presença de autoridades estaduais e federais, entre as quais de destacam a do Presidente do Estado, José Marcelino Pessoa de Vasconcelos (06/01/1898-23/05/1900), que encerrava seu mandato, e do Presidente do estado eleito para o quadriênio 1900-1904, José de Melo Carvalho Muniz Freire.

E foi exatamente por sugestão do Presidente estadual que tornaria posse em dez dias, que a Estação que se inaugurava recebia o nome Estação Marechal Floriano, uma homenagem de Muniz Freire ao primeiro vice-presidente da República, Marechal Floriano Vieira Peixoto, falecido em 29 de junho de 1895.


Estação Marechal Floriano, inaugurada em 13 de maio de 1900
na Estrada de ferro Sul do Espírito Santo.

Foto: Divulgação

Em pouco tempo, sobretudo pela importância da Estação na vida das pessoas, como local onde chegava e de onde partiam mercadorias, pessoas e ideias, a população passou a se apropriar da denominação da estação como nome do próprio lugar, conforme comprova uma carta do morador Hermann Hülle, datada de 12 de julho de 1900. Contudo, apesar dessa apropriação, o lugar só passa a ser oficialmente Marechal Floriano quando, em 13 de janeiro de 1964, através da Lei estadual Nº 1.956, transforma-se em distrito com esta denominação, pertencendo ao município de Domingos Martins.

A partir da década de 1990, tendo como aliado o também distrito de Araguaya, o distrito de Marechal Floriano inicia uma campanha para se emancipar de Domingos Martins, cujo processo foi acolhido e aprovado pela Assembleia Legislativa do Espírito Santo, autorizando a realização de um plebiscito no qual o eleitor de Marechal Florianome de Araguaya deveria ser consultado sobre o desejo de se emancipar ou não de Domingos Martins.

E em 3 de junho de 1991 realizou-se o plebiscito e com 3.623 votos “sim”, 288 votos “não”, 97 votos branco e 26 nulos, Marechal Floriano e Araguaya decidem que desejam se desligar de Domingos Martins para formar o Município de Marechal Floriano. Este resultado foi acatado pelo então governador, Albuíno Cunha Azevedo (PDT), que sanciona a Lei Estadual nº 4.571, de 31 de outubro de 1991, criando oficialmente o Município de Marechal Floriano, com 285, 495 km2 , tendo como municípios fronteiriços Viana, Domingos Martins, Alfredo Chaves e Guarapari. Todavia, o novo município ainda permaneceu administrado pelo prefeito de Domingos Martins, Lourival Berger, até a posse do prefeito, vice-prefeito e vereadores, eleitos em 06 de outubro de 1992 e empossados em 1º de janeiro de 1993.

Mapa de apuração de votos no plebiscito de 30/06/1991
Foto: Acervo Nides de Freitas


O primeiro Prefeito, Elias Kieffer, e seu vice, Carlos Prest, assumiram o cargo, portanto, em 1º de janeiro de 1993, data em que também foram empossados os vereadores da primeira legislatura da Câmara Municipal, assim composta: João Carlos Lorenzoni (Presidente no biênio 1993-1994) (PSDB), Nides de Freitas (Presidente no biênio 1995-1996) (PDT), Paulo Lovatti Junior (PDS), Tarcísio Antônio Borgo (PMDB), Paulo César Gilles (PMDB), Lourival Schunk (PMDB), Moacir Elias Kuster (PDT), Amarílio José Klein (PDT) e Lastene Stockl (PDT). A partir daí Marechal Floriano se torna um ente federativo administrativamente autônomo e sua população, através dos representantes eleitos, passa a exercer o poder municipal de forma independente.

Elias Kieffer foi o primeiro prefeito de Marechal Floriano.
Foto: CMMF


Atualmente grandes projetos industriais e comerciais, a exemplo de uma grande empresa beneficiadora de aves, torrefadoras de café, um supermercado atacadista e muitos comércios ligados à agropecuária, geram milhares de empregos na cidade e acabam atraindo muitas pessoas de cidades vizinhas e da Grande Vitória. Em função disso, a população do município cresceu 23,69% entre 2010 e 2022, de acordo com os Censos do IBGE, o que significa que praticamente 1 em cada 4 moradores chegaram à cidade ou nasceram a partir de 2010. Mas junto desse crescimento demográfico houve crescimento ainda maior da economia, que no mesmo período cresceu mais de 100%, fazendo com que o município fugisse da chamada "armadilha demográfica", que ocorre em cidades nas quais o crescimento demográfico supera o crescimento econômico.

Planta industrial da Oi Frango, em Soído de Baixo,
onde estão empregadas mais de 1000 pessoas.

Foto: Divulgação


domingo, 18 de junho de 2023

O "círculo republicano" em Marechal Floriano


No século XIX a Inglaterra já colhia os frutos da Revolução Industrial que iniciara lá no século XVIII, já tendo promovido, através de ato do Parlamento datado de 1833, a extirpação da utilização da mão de obra escravizada em suas colônias ocidentais. Portugual, por outro lado, continuava a sustentar um modelo produtivo agroexportador  baseado na utilização intensiva de mão de obra escravizada como fator de produção. Essa discrepância criava entre as grandes nações um antagonismo comercial que pouco a pouco gerava conflitos inevitáveis, porque a Inglaterra considerava o modelo escravagista uma prática concorrencial desleal e optou por criminalizar o tráfico negreiro, sobretudo entre a África e a costa americana (do Brasil, Antilhas, Canadá e Estados Unidos). Assim, sentindo-se prejudicada nas relações comerciais, a nação britânica passou a cobrar das nações europeias escravagistas o imediato encerramento do tráfico negreiro e a paulatina abolição da escravidão também em seus territórios. A British and Foreign Anti-Slavery Society, uma sociedade civil antiescravagista inglesa, criada em 1839, surgiu então para fazer valer a pretensão dos britânicos, iniciando uma verdadeira cruzada contra o tráfico negreiro.

Fig. 01 - Rotas do tráfico negreiro

Em 1845, pressionado pelos interesses econômicos da sociedade inglesa, representada principalmente na British and Foreign Anti-Slavery Society, o parlamento britânico aprova o Slave Trade Suppression Act ou Aberdeen Act (ou, simplesmente, Bill Aberdeen, por ter sido proposto por George Hamilton Gordon, 4º Conde de Aberdeen). Pelo Ato, a Real Marinha Inglesa estava autorizada a apreender qualquer embarcação destinada ao tráfico negreiro no Atlântico Sul, sobretudo aquelas destinadas a atuar entre a costa africana e a brasileira.

Fig. 01 - Lord Aberdeen, propositor do Bill Abderdeen

Todavia, o debate sobre a abolição, nessa segunda quadra do século XIX, já havia transposto o ambiente econômico e político, engendrado naturalmente no campo das mentalidades europeias. E é nesse campo que contagia os filhos das elites brasileiras que frequentam as universidades europeias e os transportam para o Brasil, onde se manifesta em inúmeros círculos abolicionistas, compostos por advogados, jornalistas, literatos e profissionais liberais. Ocorre que, juntamente com o abolicionismo, também ganha força o pensamento republicano, de modo que em muitos círculos, republicanismo e abolicionismo chegavam a significar a mesma coisa. Castro Alves, poeta do século XIX, em seu Navio Negreiro, exemplifica como  a escravidão não é algo isolado, mas a síntese de um pensamento político atrasado que domina a nação brasileira:

Existe um povo que a bandeira empresta
Pra cobrir tanta infâmia e covardia!…
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!…
Meu Deus meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?!…
Silêncio!… Musa! Chora, chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto…
Auriverde pendão da minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança
Estandarte que a luz do sol encerra,
E as promessas divinas da esperança…
Tu, que da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança,
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!…

O poeta Castro Alves foi abolicionista e republicano

Assim, a contradição do escravismo passa a significar também uma contradição da própria monarquia, contribuindo para o crescimento, junto com o pensamento abolicionista, do pensamento republicano. Mais contraditório, entretanto, foi que a própria Família Real, até então alinhada aos interesses e à mentalidade dos cafeicultores, acabou também paulatinamente assumindo uma simpatia pelo abolicionismo, constando, inclusive, que participava de ações beneficentes com o objetivo de arrecadar para um fundo que comprava a alforria de alguns escravizados. E esse foi exatamente o elemento que colocou-a em rota de colisão com as elites escravocratas, que insistiam em atrasar ao máximo a abolição, por entender não haver outra alternativa de mão de obra capaz de substituir o trabalho dos escravizados, nem perceber no Império a intenção de indenizar a perda do bem que significava o escravizado na eventualidade da abolição.

Fig. 03 - Secagem de café. Marc Ferrez. 1885. Coleção Gilberto Ferrez. IMS

Destarte, quando veio a Lei Áurea, assinada em 13 de maio de 1888, pela Princesa Isabel, a monarquia brasileira selou sua sorte, tornando-se inimiga da elite cafeicultora, que passou a tramar sua derrubada. E foi nesse momento que os cafeicultores encontraram no pensamento republicano (cultivado ideologicamente pelos filhos doutores que fizeram estudar na Europa), uma saída pragmática, para se livrar da Monarquia e buscar reorganizar o sistema político de uma forma que lhes fosse favorável na difícil tarefa de, ao mesmo tempo, substituir a mão de obra escrava pela mão de obra livre e buscar a indenização do estado pela perda dos ativos imobilizados nos bens que significavam seus escravos.

Os republicanos capixabas

No Espírito Santo, a penetração das ideias republicanas também se deu majoritariamente a partir do contato dos filhos da terra com a teoria durante seus estudos. Segundo Siqueira (2019), Bernardo Horta e Joaquim Pires de Amorim, dois dos participantes na reunião de fundação do Clube Republicano de Cachoeiro, o primeiro do estado do Espírito Santo, criado em 23 de maio de 1877, formaram-se fora da Província, tendo retornado à cidade por volta de 1880.

Pires de Amorim, por exemplo, adquiriu seu fervor republicanista na Faculdade de Direito de São Paulo, onde fez parte da turma de 1863, a mesma na qual estudaram Campos Sales, Prudente de Moraes e Rangel Pestana. Sua turma, após formada, ficou conhecida como a 'turma dos republicanos históricos'. Bernardo Horta entrou em contato com o republicanismo em Minas Gerais, também no momento da faculdade (SIQUEIRA, 2019, p. 471)

À época em que esses "republicanos históricos" retornaram de seus estudos, Cachoeiro era um centro cafeicultor importante, o maior do Espírito Santo, que escoava praticamente toda a sua produção pelo Rio de janeiro. Por isso, também constituía-se numa espécie de capital de fato do estado, não obstante o fato de ser Vitória a capital administrativa. E é nesta atmosfera, de uma cultura política já desenvolvida, que as elites cafeeiras encontraram-se com o republicanismo (todos os clubes rerepublicanos criados no Espírito Santo, exceto os de Vitória, São Mateus e Santa Isabel, nasceram em Cachoeiro!), tomando-o como tábua de salvação à qual apegaram-se para enfrentar a iminente derrocada do sistema escravagista e a transição para o trabalho livre (com a demanda de indenização de suas peças que fossem libertas). 


Afonso Cláudio, republicano de Vitória

Apesar de o território no qual situa-se Marechal Floriano situar-se um tanto distante da lógica do sistema escravagista que corroborava cada vez mais o republicanismo, lembrando que a mão de obra familiar era o quê tocava os lotes dos imigrantes, não custa lembrar que na Fazenda Amarelos, em Morro Baixo, Peixe Verde (hoje Bom Jesus), o Coronel Mariano Ferreira de Nazareth, um dos presidentes municipais (o equivalente a vereador hoje) de Viana já em 1869, havia escravaria farta, que poderia chegar ao número de 20 negros africanos. Tal fato, a força política do coronel na região, aliado à potência intelectual de alguns moradores da Vila do Braço do Sul, como o professor Ulrich Kuster, considerando-se que o republicanismo constituía uma espécie de modismo intelectual no Brasil, parece ser a melhor explicação para o ideário republicano penetrar com vigor nas mentalidades da população da vila e adjascências.

Johann Ulrich Kuster, um dos fundadores do Club Republicano
de Santa Isabel na Vila do Braço do Sul, em 1889.

Copronel Mariano Ferreira de Nazareth, escravocrata e
um dos presidentes municipais de Viana em 1969.

Como consequência de todo esse contexto, com a presença de figuras republicanas de monta, como Afonso Claudio de Freitas Rosa, e de moradores locais, embora sem a presença do Coronel Mariano ( que se não participou também não criou obstáculos), em 29 de junho de 1889, no prédio de Phillip Endlich (hoje pertecente aos Lovatti, ao lado da Macefel), fundou-se o Club Republicano de Santa Isabel.

Sobrado de Phillip Endlich no qual se realizou a reunião de Fundação
do Club Republicano de Santa Isabel em 1889. Foto de 1910.

Ata de fundação do Club Republicano de Santa Isabel,
um dos 3 únicos fora de Cachoeiro

Essa mesma atmosfera republicana, na qual estava mergulhada a popúlação da Vila do Braço do Sul, corria por todo o Brasil. E no dia 15 de novembro de 1889 um golpe militar depôs a combalida monarquia brasileira, degredando a família imperial e dando início ao Período Republicano no Brasil.

REFERÊNCIAS

LITTIG, Jair. O Club Republicano de Santa Isabel. 2023. 24 slides. Arquivo .pptx. Pen drive.

SIQUEIRA, Karulliny Silverol. Republicanismo ou Republicanismos? Ideias de República na Província do Espírito Santo, 1887-1889. Almanak. Guarulhos, n. 23, p. 454-499, dez. 2019.


sexta-feira, 26 de maio de 2023

O DIA DO "SIM" EM MARECHAL FLORIANO*

Valmere Klippel Santana**


O pesquisador Jair Littig leciona que até 11 de janeiro de 1964, quando o Governo do Estado do Espírito Santo exara a Lei Estadual nº 1.956/64, transformando a Vila do Braço do Sul oficialmente no Distrito de Marechal Floriano (informalmente o lugar já tinha o nome de Marechal Floriano desde a inauguração da estação, em 1900), subordinado inicialmente a Santa Isabel e, a partir de 1921, ao município de Domingos Martins, o local era

[...]carente de tudo; Não tinha ruas calçadas, posto médico, o sistema de água e esgoto era péssimo. Criavam animais soltos, a maioria das casas tinham fossa negra. Ruas não tinha iluminação pública, como também casas. Para deslocar para capital havia um transporte que vinha  de Paraju ou o trem da tarde, mas sem opção de retorno no mesmo dia. A escola era muito pequena para a tender a demanda da época (LITTIG, 2023) 

Essa inanição, entretanto, incomodava a população local, que debatia as questões  do lugar e buscava traçar estratégias para o seu desenvolvimento. E foi desse modo que, por intermédio de pessoas como os moradores Edgard de Carvalho Neves, Evahy Mendes, Alfredo Costalonga e o Coronel Ernesto Vieira da Silva, iniciou-se um processo de debate para a criação de uma associação que unisse os moradores no interesse de desenvolver o agora Distrito de Marechal Floriano. A Primeira reunião do grupo aconteceu no dia 24 de fevereiro de 1964, na casa de Evahy Mendes.

Fig. 1 - Registro de 1974 da Casa de Evahy Mendes
Foto: Jair Littig 

Fig. 2 - Termo de abertura do livro de atas da Associação
Pró-Desenvolvimento de Marechal Floriano

Fig. 3 - 1ª página da ata de fundação da Associação

A partir dessa reunião, da qual participaram 33 moradores,  nasceu e se desenvolveu a Associação Pró-Desenvolvimento Urbano e Rural de Marechal Floriano, além, segundo ainda Jair Littig, da recuperação da intrínseca ideia (cultivada há muito tempo) de que Marechal Floriano estava talhado não apenas para permanecer um distrito de Domingos Martins, mas para ser município e ter autonomia política e administrativa. De acordo com Littig, um dos fundadores da Associação, Edgard de Carvalho, sempre preconizava: "[...] antes da virada do século [século XX], Marechal vai virar município!".

Fig.4 - Fundadores da Associação

Fig. 5 - Os primeiros diretores

Com o funcionamento da Associação, Marechal rompeu com um ciclo de isolamento, creditado ao descaso do município de Domingos Martins por seu novo distrito. E através da Associação ganharam nomes as ruas, veio para o centro da cidade uma agência do banco Bradesco, foi construída a segunda ponte sobre o Rio Braço do Sul, foi instalada uma estação repetidora do sinal de televisão e iniciou-se um sistema de atendimento médico (incluindo-se "indigentes", por que nessa época, quem não tinha INPS ou Funrural não tinha acesso aos serviços de saúde).

Fig. 5 - Trabalho de construção da sede da Associação em mutirão. À esquerda (de boné),
Nides de Freitas, que viria a ser o presidente da Comissão Pró-Emancipação, criada em 1988.


Fig. 5 - O Prédio onde funciona a Prefeitura foi construído pela Associação.

Fig. 6 - Página do Jornal A Voz da Montanha, com a coluna Marechal em Marcha, assinada por Ary Ribeiro da Silva, em 1966.

Mas, apesar desse impulso desenvolvimentista inicial a partir da década de 1960, a ideia da emancipação ficou por muito tempo presa à burocracia, não obstante o fato de estar sempre presente nas conversas dos moradores, vindo a intensificar-se, segundo a escritora e memorialista Giovana Schneider, a partir do final da década de 1980, ganhando contornos de movimento popular no início dos anos 1990, quando logrou arregimentar apoio político e culminou com a criação Comissão Pró-Emancipação Política de Marechal Floriano, em 22 de janeiro de 1988. Nesse movimento, Araguaya, também distrito de Domingos Martins, passou a compor com o distrito de Marechal Floriano, o território que almejava emancipação.

A partir da criação da "Comissão", que passou a ser presidida por Nides de Freitas, com a tesouraria confiada ao professor Adnilses Arthur Machado Filho e a coordenação de marketing entregue ao também professor Silvio Rogerio Lemke . Foram 32 reuniões (antes já havia acontecido mais uma reunião preparatória e aquela de criação da Comissão) para organizar o processo e conduzir os trabalhos, buscando mobilizar os moradores, arregimentar apoio político e romper a burocracia (SCHNEIDER, 2018). Muitas tratativas foram feitas, inclusive negociação com autoridades de município de Domingos Martins, como o prefeito Lourival Berger, que acabou posicionando-se do lado da Comissão, apoiando o movimento. E por fim, 14 de novembro de 1990, com a "invasão" de mais de 200 moradores ao plenário, a Assembleia Legislativa do Espírito Santo aprova lei autorizando o TRE - Tribunal Regional Eleitoral a realizar plebiscito, consultando a população dos distritos de Araguaya e Marechal Floriano, para saber se essa população realmente desejava se emancipar de Domingos Martins.

Fig. 7 - Página do Jornal O Braço do Sul anunciando a aprovação pela ALES do
projeto autorizando a realização do plebiscito


Assim, vencida a burocracia, o plebiscito foi marcado para o dia 30 de junho de 1991, iniciando-se a "campanha pelo sim". Foi o momento de trabalho mais intenso da Comissão Pró-Emancipação, com muitas reuniões nas comunidades para esclarecer os eleitores da importância da emancipação. Mas não foi um jogo de uma só equipe: havia sim pessoas (e algumas bem proeminentes na comunidade) que questionavam se seria mesmo uma boa ideia. Os jornais da época mostram esse debate:

Fig. 8 - O jornal O Braço do Sul mostra as posições divergentes dos
moradores durante o processo de emancipação


Durante a "campanha pelo sim", foi produzido algum material de campanha para esclarecer as vantagens da emancipação, mas também alguns poucos apócrifos denunciando prejuízos à população e denunciando interesses políticos "inconfessáveis" embutidos no processo. Todavia, a aceitação da proposta, posto que se tratava de luta antiga da população, mostrava-se hegemônica, de modo que prognosticar sua vitória no dia 30 de junho era lugar comum entre os analistas. Na coluna "Praça Oito", do jornal A Gazeta, o analista já mostra o favoritismo do sim:

Secessão
O Espírito Santo poderá ter proximamente mais um município: o de Marechal Floriano, que se emanciparia de Domingos Martins e seria formado pelos distritos de Marechal Floriano e Araguaia. Quem desarquivou o processo , a pedido de lideranças políticas e comunitárias da região, foi o deputado Lúcio Merçon (PFL) (A GAZETA, 23/04/1990, apud SCHNEIDER, 2018, p. 246).

 

Fig. 9 - Peça de propaganda da Comissão Pró-Emancipação

fig. 10 - Reprodução do modelo da cédula de votação

E após todo o processo eleitoral, finalmente no dia 30 de junho de 1991 os eleitores foram às urnas, confirmando os prognósticos e votando massivamente pelo sim. Segundo a ata final de apuração, os votos "sim", pela emancipação, alcançou o apoio de 3.623 eleitores, enquanto o "não", dos eleitores contrários à emancipação, somou 288 votos apenas. Ainda se contabilizou 90 votos em branco e 26 nulos, totalizando 4.027 votantes. Naquele período, o voto ainda era realizado com as cédulas de papel depositadas em urnas nas seções, com apuração manual ao final do pleito, sob direção do juiz eleitoral, que à época era Sebastião Vieira Rangel.

Fig. 11 - O "Dia do Sim" no relato da imprensa da época


As comemorações espontâneas pelas ruas da cidade foram muitas no 30 de junho de 1991 e, no dia 31 de outubro daquele mesmo ano de 1991, o governador do Estado do Espírito Santo, Albuíno Cunha Azeredo, sancionava a Lei Estadual nº 4.571, aprovada na ALES, acatando o resultado do plebiscito e criando oficialmente o Município de Marechal Floriano. Por isso o dia do município é comemorado oficialmente no 31 de outubro de cada ano. Mas o "dia do sim", 30 de junho, é lembrado por toda a população como a real data da emancipação.

Fig. 12 - Mapa de apuração do resultado por localidade
feito pela Comissão Pró-Emancipação


Fig. 13 - Ata de apuração do resultado do Plebiscito



Referências

LITTIG, Jair. História da Associação Pró-Melhoramentos de Marechal Floriano.2023. 24 slides. Arquivo .pptx. Pen drive.

SCHNEIDER, Giovana Cristina. Marechal Floriano... Resgatando memórias. Marechal Floriano: s/e, 2018.


* Agradecimentos a Cezar Tadeu Ronchi Junior, Giovana Schneider, Jair Littig e Nides de Freitas pelos momentos de conversa e disponibilização de acervo pessoal sobre Marechal Floriano.

** Escritor e Historiador licenciado em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do Espírito Santo; Titular da Cadeira Arnaldo João Kuster, nº 11, na AFHAL - Academia Florianense de História, Artes e Letras "Flores Passinato Kuster"

quarta-feira, 24 de maio de 2023

GERMÂNICOS E ITALIANOS NA COLONIZAÇÃO DE MARECHAL FLORIANO: ITINERÁRIO HISTÓRICO*

 Valmere Klippel Santana**

A história do município de Marechal Floriano, não obstante o fato de a colonização não ter sido unicamente realizada por imigrantes, tendo dela participado muitos nacionais,    está sobremaneira ligada ao processo imigratório do século XIX e, portanto, contextualizada na história da Europa, continente originário tanto de germânicos, quanto de italianos.


Nesse contexto, pesa sobretudo os desdobramentos e contradições do Congresso de Viena (1815), pacto celebrado entre os diversos povos europeus, após a derrota de Napoleão Bonaparte, para estabelecer as fronteiras de seus territórios, compostos por ducados, reinos e impérios.



Figura 1 Mapa da Europa após o Congresso de Viena (1815). No detalhe, a Confederação Germânica.



Essa divisão estabelecida pelo Congresso de Viena, apesar de redesenhar a Europa, não garantiu a paz no continente. O Reino da Prússia era um dos mais descontentes, principalmente por disputar com o Império da Áustria a hegemonia do bloco dentro da Confederação Germânica. E na esteira desse descontentamento é que surgiu o desejo de unificação do povo alemão em um estado-nação.


Os efeitos guerras desse processo, que coincidiram com um cenário político brasileiro no qual se vislumbrava o fim da escravidão e a necessidade de inserção da mão-de-obra livre na matriz produtiva nacional – mas também da ideologia do “branqueamento” da população -, fez com que uma rota imigratória de germânicos entre a Europa e o Brasil se estabelecesse.


A Rota Jucu


No Espírito Santo, que já havia testado sem muito sucesso a importação de mão de obra com os açoriano de Viana, em 1812, a importação dos germânicos para ocupar o “vazio territorial” das terras montanhosas – nas colônias de Santa Leopoldina e Santa Isabel - apresentou-se como uma alternativa atraente, porque, adicionalmente, esses imigrantes (notadamente camponeses germânicos) poderiam ajudar a suprir a demanda crescente por gêneros agrícolas na província.


Figura 1 - Marco da colonização germânica, fixado na Serra da Boa Vista, em Domingos Martins

Assim, após fundar a Colônia de Santa Isabel, o Presidente da Província (assim se denominava estad
o à época), Luiz Pedreira do Couto Ferraz, solicitou ao Imperador o envio de famílias de imigrantes germânicos para colonizar o lugar.


Atendido em seu pedido, o Presidente da Província viu chegar a Vitória, a bordo do navio Éolo, em 21 de dezembro de 1846, a primeira leva de imigrantes germânicos, composta por 29 famílias prussianas, que foram encaminhadas para a nova colônia em 27 de janeiro de 1847, naquela que ficou conhecida como Rota Jucu. Mas esse foi só o início do processo de colonização na Colônia de Santa Isabel, como veremos adiante.


A Vila Nacional do Braço do Sul


Depois da instalação das primeiras famílias de imigrantes, no núcleo original de Santa Isabel, que é o local no qual situa-se o marco da colonização (fig.01), na entrada para Biriricas (margem direita, sentido Vitória-Minas), a colônia cresceu e logo os imigrantes moveram-se na direção de onde atualmente está Santa Isabel e, posteriormente, Campinho (Domingos Martins). E, seguindo esse ritmo de crescimento, consta que com sua nomeação pela Coroa, Adalberto Jahn contratou, em 1858, o agrimensor Hermann Steinkopf, para inventariar as terras na direção sudoeste, às margens do rio Braço do Sul, a fim de para elas encaminhar novas famílias (descendentes dos primeiros imigrantes e nacionais). Steinkopf, em seu trabalho, parece ter gostado tanto dos aspectos geográficos das novas terras das quais fazia o reconhecimento, que chegou a adquirir nelas um lote, sendo, ao que parece, seu papel também importante no convencimento de Jahn sobre ser o novo lugar o mais apropriado para realizar a necessária ampliação da colônia.

Nessas novas terras inventariadas inicialmente por Steinkopf, no ano de 1860 o Ministro da Agricultura, Manoel Felizardo de Souza e Mello, atendendo a solicitações de Jahn, mandou que o engenheiro Pedro Cláudio Soído demarcasse 100 novos prazos, projetando uma ponte sobre o Rio Braço do Sul, que começou a ser construída em 1861. Mas há evidências de que, desde as primeiras medições de Steinkopf, algumas famílias começaram a se instalar na vila, tanto que o primeiro nascimento registrado nela,  o de Gustav Fischer,  foi registrado em de 11 de março de 1961, conforme consta no livro da Igreja Luterana de Campinho, acontecendo mais de um ano antes da sua inauguração oficial. 

Todavia, a ocupação da vila começa a intensificar-se apenas no ano de 1862, quando o Diretor da Colônia de Santa Isabel recebe mais uma leva de famílias imigrantes, enviando 99 pessoas, incluindo entre estas 10 famílias nacionais, para a região do Braço do Sul, na qual já se construía uma ponte e um barracão para recebê-las. Esse local, que fica na margem esquerda do rio (sentido Vitória-Minas), onde atualmente está a Macefel, foi nomeado, através do relatório de 22 de outubro de 1862, do Ministro e Secretário da Província de Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Coronel Engenheiro Pedro de Alcântara Bellegarde, Vila Nacional do Braço do Sul.

Nesta vila instalaram-se, a partir de 1862, os peregrinos do A. Borsing, as primeiras gerações de famílias hoje tradicionais na região, como é o caso dos Kuster (lote 253 A e B, de Johann Kuster,  correspondia ao trecho em que se situa a parte central da cidade até a subida para Bom Jesus); dos Schneider ( lote 567, Heinrich Schneider, onde hoje está o Bairro N.S. da Penha até próximo ao Show House); Rupf ( lote 251, de Herman Rupf, de onde fica Santa Rita até o Apollo); e Wassem (Vale das Palmas, de Jacob Wassem), entre outras famílias.


Figura 2 - O casal Emil Rupf (26/06/1866) e Johann e Therese Kuster (08/05/1863) estão entre os primeiros brasileiros nascidos na Vila do Braço do Sul. Na foto, Emil e Johanne (à frente) com sua prole.


O lado direito do Rio Braço do Sul foi ocupado um pouco mais tarde, passando a ser mesmo povoado a partir da segunda década do século XX, quando Emílio Entringer comprou um lote e fez construir nele algumas casas. Contudo, foi nesse lado que Pedro Claudio Soído mediu a maior parte dos lotes durante seu trabalho, dando origem àquilo que hoje são as localidades de Morada Ponto Alto, Soído de Baixo e Nova Almeida, por exemplo. Mas, é bom que se considere, também, que desse trabalho do engenheiro Soído (e daquele posterior a ele como continuidade) deriva o nascimento de Rio Fundo e Santa Maria de Marechal. Tanto isso é fato que o trabalho dos agrimensores constitui-se em algo permanente, como comprova uma solicitação de Jacob Kiefer, em dezembro de 1881 à Comissão de Medição, requerendo um lote na localidade de Rio Fundo.

 A Rota Benevente

Já a história de Araguaya e Victor Hugo deriva de um outro movimento migratório, aquele ligado à rota Benevente e ao Núcleo Colonial Castello, sob a gestão do engenheiro Joaquim Adolpho Pinto Pacca, ocorrida mais tarde, a partir dos anos 1880, decorrente de um processo histórico diverso, que foi a Unificação Italiana.


Fig. 03 - Fronteiras da Península Itálica definidas pelo Congresso de Viena

Esse processo de unificação italiana, decorrente de reação de nacionalistas à decisão do Congresso de Viena (1815) que retalhou o território da Península Itálica em diversos reinos (Reino Sardo-Piemontês, Reino Lombardo-Veneziano, Ducados de Parma, Módela e Toscana, Estados Pontifícios e Reino das Duas Scicílias), concluiu-se apenas em 1871, depois de várias guerras, apesar de completar-se apenas no ano de 1919, com a recuperação dos territórios do Trentino (ao norte) e da Ístria (a nordeste) antes sob o domínio do Império Austríaco.


Fig. 04 - Itália Unificada

Todas essa guerras, assim como uma conturbada inserção dos territórios na lógica capitalista que começava a hegemonizar no mundo, entretanto, serviram para degenerar sobremaneira as condições de vida no território da Itália unificada. A violência dos conflitos, mas também o atraso econômico e a periferização diante do processo de industrialização dos vizinhos (e a fome desses processos decorrente), fizeram surgir na população um desejo pela busca de uma vida melhor em outros lugares. Aliando-se isso ao contexto de um Brasil que desejava trocar a mão de obra escrava por trabalhadores assalariados (a abolição viria somente em 1888, mas a entrada do trabalho livre para "branquear" a população começou bem antes), aquele sonho de uma vida melhor dos italianos encontrou facilmente uma alternativa no outro lado do Atlântico. 

E foi buscando esse "sonho da  América" que os italianos começaram a chegar ao Espírito Santo. Assim, após a célebre Expedição Tabacchi (1874), que trouxe ao Brasil, a bordo do veleiro Sofia, 388 camponeses trentinos e vênetos, direcionados às terras de Pietro Tabacchi, no núcleo Timbuhy (Santa Teresa), inaugurando o movimento migratório em massa dos italianos, novas levas desses imigrantes começaram a chegar.

Todavia, as raízes da colonização italiana no município de Marechal Floriano estão fincadas não nessa primeira onda migratória, mas nas subsequentes, com o protagonismo de um novo destino: A Colônia do Rio Novo (1854-1880). Assim, com o objetivo de fornecer braços à lavoura cafeeira do sul do estado, os imigrantes italianos chegavam não com o objetivo de preencher o "vazio territorial", como ocorrera com os germânicos em Santa Isabel. As condições insatisfatórias que encontraram e sua postura contestadora, que ocasionou várias revoltas, é que forçou o Governo Provincial e o Império a organizar também o assentamento de parte desses novos imigrantes em lotes coloniais.  

Mas foi a partir de 1880, com a transformação de Rio Novo em município, a criação do Núcleo Colonial Castello e a nomeação do engenheiro Joaquim Adolfho Pinto Pacca para dirigir esse novo núcleo, que a colonização italiana no estado também ganha contornos de um movimento de povoamento, com a medição de lotes e a instalação neles das famílias de imigrantes. 


Fig. 5 Busto de Joaquim Adolfo Pinto Pacca, inaugurada em
08 de fevereiro de 2023 no distrito de Araguaya


Trabalhando com a divisão do território que administrava em "seções", as quais nomeava com nomes das filhas ou de pessoas por quem tinha afeição (Iracema, Carolina, Alexandrina, Victor Hugo), Pinto Pacca coordenou um verdadeiro movimento de "entrada", uma penetração nas selvas que acabou por servir como impulso fundante de diversas localidades, entre as quais situam-se Araguaya e Victor Hugo, hoje distritos de Marechal Floriano.

Fig. 6 - Lotes demarcados por determinação de Pinto Pacca na Seção Araguay (1884)

Como é possível perceber, após receber a incumbência de Administrar o Núcleo Colonial Castello, Pinto Pacca coordena um trabalho diligente de reconhecimento e delimitação de lotes para ocupação. Entre uma coisa e outra, obviamente passa-se algum tempo, de modo que data de 1888 apenas a chegada das famílias de Pietro Borgo e Giacomo Gagno à Seção Alexandrina. No ano seguinte, 1889, as famílias Cosmo e Moretti chegam à Seção Victor Hugo. Estava fincada em solo florianense as bases para a colonização italiana.

O reencontro de povos europeus na América

Mesmo advindos de rotas muito diversas, e mesmo com objetivos iniciais contrastantes (os germânicos já chegaram destinados ao povoamento e os italianos chegaram como mão de obra para as lavouras de café), esses povos europeus se encontraram nas montanhas capixabas na fundação do hoje município de Marechal Floriano. E na sinergia dessas culturas, ne sua força de trabalho e criatividade, no contato com a natureza pujante e a terra fértil, nasceu Marechal Floriano, que com a Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo, após a primeira década do século XX, quando ficou pronto o trecho que corta o território, alcançou integração eficiente.

Fig. 7 - Cartaz da XXI edição da festa da colonização
ítalo-germânica de Marechal Floriano

Essa simbiose das culturas tão diversas que construiram a cultura Florianense é anualmente comemorada com a realização do festival ítalo-germânico, no qual a cidade se reúne para receber visitantes e reverenciar sua história e sua cultura. Normalmente a festa transcorre em todo um final de semana e, além de produzir renda, promove a vivência cultural da cidade, envolvendo os florianenses e os turistas em uma atmosfera de confraternização e de ação de graças por tudo aquilo que foi historicamente construído e conquistado.

A partir de 2023 também acontece a Semana de Promoção da Memória Histórica e Cultural, com uma programação toda voltada para eventos culturais, como Festa literária Serestas de rua, Festival de sabores, mostra de Cinema e Vídeo, palestras, rodas de conversa, apresentações musicais e lançamentos de livros, entre outra atividades. A "Semana" é produto de parceria público-privada, envolvendo, além dos entes públicos, que a instituíram através da Lei Municipal nº 2.523, de 18 de novembro de 2022, o setor produtivo e o terceiro setor, que a realizar através da AFHAL - Academia Florianense de História, Artes e Letras "Flores Passinato Kuster", fundada em 2021 para promover a cultura municipal.

Fig. 8 - Cartaz da I Semana..., em 2023.


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Referências

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GRASSELI, Renzo M. Colônias Imperiais na Terra do Café - Camponeses trentinos ( vênetos e lombardos) nas florestas brasileiras. Trad. Marcia Sarcinelli. Vitória: APEES, 2008. Coleção Canaã (v. 6).

HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Impérios:1875-1914. Trad. de Sieni Maria Campos e Yolanda Steidel de Toledo. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1988.

_______. A Era do Capital:1848-1875.  2 ed. Trad. Luciano Costa Neto. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1979.

SANTOS, Ezequiel Sampaio dos et allii. História, Geografia e Organização Social e política do Município de Domingos Martins. Colaboração de Joel Guilherme Velten e Roberto Anselmo Kautsky. Vitória: Brasília Editora, 1992.

PUPPIN, Douglas. Os De Nadai - Pietro:Benemérito da libertação de Roma. Vitória: IHGES, 2000 (Cadernos de História nº 39).

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URBAN, Max. Santa Isabel - A primeira comunidade evangélica alemã no estado do Espírito Santo, Brasil. Trad. e notas explicativas de Valdemar Gaede. Vitória: IHGES, 2014. Cadernos de História (v. 57).

ZETTIRY, Arrigo de. Viagem às colônias italianas do Espírito Santo - Onde estão e como vivem os camponeses italianos no Espírito Santo - 1902. Trad. de Nerina Bortoluzzi Herzog e prefácio de Renzo M. Grasseli. Vitória: APEES, 2021. Coleção Canaã (v. 28).

*Nossos agradecimentos aos pesquisadores da memória de Marechal Floriano, Cezar Tadeu Ronchi Junior, Jair Littig e Giovana Schneider, pela valiosas horas de conversas e pelas fontes primárias para composição do presente trabalho.

** Historiador e escritor, Licenciado em Ciências Humanas e Sociais pela UFES, é titular da cadeira Arnaldo João Kuster, nº 11, na AFHAL - Academia Florianense de História, Artes e Letras "Flores Passinato Kuster".