sexta-feira, 26 de maio de 2023

O DIA DO "SIM" EM MARECHAL FLORIANO*

Valmere Klippel Santana**


O pesquisador Jair Littig leciona que até 11 de janeiro de 1964, quando o Governo do Estado do Espírito Santo exara a Lei Estadual nº 1.956/64, transformando a Vila do Braço do Sul oficialmente no Distrito de Marechal Floriano (informalmente o lugar já tinha o nome de Marechal Floriano desde a inauguração da estação, em 1900), subordinado inicialmente a Santa Isabel e, a partir de 1921, ao município de Domingos Martins, o local era

[...]carente de tudo; Não tinha ruas calçadas, posto médico, o sistema de água e esgoto era péssimo. Criavam animais soltos, a maioria das casas tinham fossa negra. Ruas não tinha iluminação pública, como também casas. Para deslocar para capital havia um transporte que vinha  de Paraju ou o trem da tarde, mas sem opção de retorno no mesmo dia. A escola era muito pequena para a tender a demanda da época (LITTIG, 2023) 

Essa inanição, entretanto, incomodava a população local, que debatia as questões  do lugar e buscava traçar estratégias para o seu desenvolvimento. E foi desse modo que, por intermédio de pessoas como os moradores Edgard de Carvalho Neves, Evahy Mendes, Alfredo Costalonga e o Coronel Ernesto Vieira da Silva, iniciou-se um processo de debate para a criação de uma associação que unisse os moradores no interesse de desenvolver o agora Distrito de Marechal Floriano. A Primeira reunião do grupo aconteceu no dia 24 de fevereiro de 1964, na casa de Evahy Mendes.

Fig. 1 - Registro de 1974 da Casa de Evahy Mendes
Foto: Jair Littig 

Fig. 2 - Termo de abertura do livro de atas da Associação
Pró-Desenvolvimento de Marechal Floriano

Fig. 3 - 1ª página da ata de fundação da Associação

A partir dessa reunião, da qual participaram 33 moradores,  nasceu e se desenvolveu a Associação Pró-Desenvolvimento Urbano e Rural de Marechal Floriano, além, segundo ainda Jair Littig, da recuperação da intrínseca ideia (cultivada há muito tempo) de que Marechal Floriano estava talhado não apenas para permanecer um distrito de Domingos Martins, mas para ser município e ter autonomia política e administrativa. De acordo com Littig, um dos fundadores da Associação, Edgard de Carvalho, sempre preconizava: "[...] antes da virada do século [século XX], Marechal vai virar município!".

Fig.4 - Fundadores da Associação

Fig. 5 - Os primeiros diretores

Com o funcionamento da Associação, Marechal rompeu com um ciclo de isolamento, creditado ao descaso do município de Domingos Martins por seu novo distrito. E através da Associação ganharam nomes as ruas, veio para o centro da cidade uma agência do banco Bradesco, foi construída a segunda ponte sobre o Rio Braço do Sul, foi instalada uma estação repetidora do sinal de televisão e iniciou-se um sistema de atendimento médico (incluindo-se "indigentes", por que nessa época, quem não tinha INPS ou Funrural não tinha acesso aos serviços de saúde).

Fig. 5 - Trabalho de construção da sede da Associação em mutirão. À esquerda (de boné),
Nides de Freitas, que viria a ser o presidente da Comissão Pró-Emancipação, criada em 1988.


Fig. 5 - O Prédio onde funciona a Prefeitura foi construído pela Associação.

Fig. 6 - Página do Jornal A Voz da Montanha, com a coluna Marechal em Marcha, assinada por Ary Ribeiro da Silva, em 1966.

Mas, apesar desse impulso desenvolvimentista inicial a partir da década de 1960, a ideia da emancipação ficou por muito tempo presa à burocracia, não obstante o fato de estar sempre presente nas conversas dos moradores, vindo a intensificar-se, segundo a escritora e memorialista Giovana Schneider, a partir do final da década de 1980, ganhando contornos de movimento popular no início dos anos 1990, quando logrou arregimentar apoio político e culminou com a criação Comissão Pró-Emancipação Política de Marechal Floriano, em 22 de janeiro de 1988. Nesse movimento, Araguaya, também distrito de Domingos Martins, passou a compor com o distrito de Marechal Floriano, o território que almejava emancipação.

A partir da criação da "Comissão", que passou a ser presidida por Nides de Freitas, com a tesouraria confiada ao professor Adnilses Arthur Machado Filho e a coordenação de marketing entregue ao também professor Silvio Rogerio Lemke . Foram 32 reuniões (antes já havia acontecido mais uma reunião preparatória e aquela de criação da Comissão) para organizar o processo e conduzir os trabalhos, buscando mobilizar os moradores, arregimentar apoio político e romper a burocracia (SCHNEIDER, 2018). Muitas tratativas foram feitas, inclusive negociação com autoridades de município de Domingos Martins, como o prefeito Lourival Berger, que acabou posicionando-se do lado da Comissão, apoiando o movimento. E por fim, 14 de novembro de 1990, com a "invasão" de mais de 200 moradores ao plenário, a Assembleia Legislativa do Espírito Santo aprova lei autorizando o TRE - Tribunal Regional Eleitoral a realizar plebiscito, consultando a população dos distritos de Araguaya e Marechal Floriano, para saber se essa população realmente desejava se emancipar de Domingos Martins.

Fig. 7 - Página do Jornal O Braço do Sul anunciando a aprovação pela ALES do
projeto autorizando a realização do plebiscito


Assim, vencida a burocracia, o plebiscito foi marcado para o dia 30 de junho de 1991, iniciando-se a "campanha pelo sim". Foi o momento de trabalho mais intenso da Comissão Pró-Emancipação, com muitas reuniões nas comunidades para esclarecer os eleitores da importância da emancipação. Mas não foi um jogo de uma só equipe: havia sim pessoas (e algumas bem proeminentes na comunidade) que questionavam se seria mesmo uma boa ideia. Os jornais da época mostram esse debate:

Fig. 8 - O jornal O Braço do Sul mostra as posições divergentes dos
moradores durante o processo de emancipação


Durante a "campanha pelo sim", foi produzido algum material de campanha para esclarecer as vantagens da emancipação, mas também alguns poucos apócrifos denunciando prejuízos à população e denunciando interesses políticos "inconfessáveis" embutidos no processo. Todavia, a aceitação da proposta, posto que se tratava de luta antiga da população, mostrava-se hegemônica, de modo que prognosticar sua vitória no dia 30 de junho era lugar comum entre os analistas. Na coluna "Praça Oito", do jornal A Gazeta, o analista já mostra o favoritismo do sim:

Secessão
O Espírito Santo poderá ter proximamente mais um município: o de Marechal Floriano, que se emanciparia de Domingos Martins e seria formado pelos distritos de Marechal Floriano e Araguaia. Quem desarquivou o processo , a pedido de lideranças políticas e comunitárias da região, foi o deputado Lúcio Merçon (PFL) (A GAZETA, 23/04/1990, apud SCHNEIDER, 2018, p. 246).

 

Fig. 9 - Peça de propaganda da Comissão Pró-Emancipação

fig. 10 - Reprodução do modelo da cédula de votação

E após todo o processo eleitoral, finalmente no dia 30 de junho de 1991 os eleitores foram às urnas, confirmando os prognósticos e votando massivamente pelo sim. Segundo a ata final de apuração, os votos "sim", pela emancipação, alcançou o apoio de 3.623 eleitores, enquanto o "não", dos eleitores contrários à emancipação, somou 288 votos apenas. Ainda se contabilizou 90 votos em branco e 26 nulos, totalizando 4.027 votantes. Naquele período, o voto ainda era realizado com as cédulas de papel depositadas em urnas nas seções, com apuração manual ao final do pleito, sob direção do juiz eleitoral, que à época era Sebastião Vieira Rangel.

Fig. 11 - O "Dia do Sim" no relato da imprensa da época


As comemorações espontâneas pelas ruas da cidade foram muitas no 30 de junho de 1991 e, no dia 31 de outubro daquele mesmo ano de 1991, o governador do Estado do Espírito Santo, Albuíno Cunha Azeredo, sancionava a Lei Estadual nº 4.571, aprovada na ALES, acatando o resultado do plebiscito e criando oficialmente o Município de Marechal Floriano. Por isso o dia do município é comemorado oficialmente no 31 de outubro de cada ano. Mas o "dia do sim", 30 de junho, é lembrado por toda a população como a real data da emancipação.

Fig. 12 - Mapa de apuração do resultado por localidade
feito pela Comissão Pró-Emancipação


Fig. 13 - Ata de apuração do resultado do Plebiscito



Referências

LITTIG, Jair. História da Associação Pró-Melhoramentos de Marechal Floriano.2023. 24 slides. Arquivo .pptx. Pen drive.

SCHNEIDER, Giovana Cristina. Marechal Floriano... Resgatando memórias. Marechal Floriano: s/e, 2018.


* Agradecimentos a Cezar Tadeu Ronchi Junior, Giovana Schneider, Jair Littig e Nides de Freitas pelos momentos de conversa e disponibilização de acervo pessoal sobre Marechal Floriano.

** Escritor e Historiador licenciado em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do Espírito Santo; Titular da Cadeira Arnaldo João Kuster, nº 11, na AFHAL - Academia Florianense de História, Artes e Letras "Flores Passinato Kuster"

quarta-feira, 24 de maio de 2023

GERMÂNICOS E ITALIANOS NA COLONIZAÇÃO DE MARECHAL FLORIANO: ITINERÁRIO HISTÓRICO*

 Valmere Klippel Santana**

A história do município de Marechal Floriano, não obstante o fato de a colonização não ter sido unicamente realizada por imigrantes, tendo dela participado muitos nacionais,    está sobremaneira ligada ao processo imigratório do século XIX e, portanto, contextualizada na história da Europa, continente originário tanto de germânicos, quanto de italianos.


Nesse contexto, pesa sobretudo os desdobramentos e contradições do Congresso de Viena (1815), pacto celebrado entre os diversos povos europeus, após a derrota de Napoleão Bonaparte, para estabelecer as fronteiras de seus territórios, compostos por ducados, reinos e impérios.



Figura 1 Mapa da Europa após o Congresso de Viena (1815). No detalhe, a Confederação Germânica.



Essa divisão estabelecida pelo Congresso de Viena, apesar de redesenhar a Europa, não garantiu a paz no continente. O Reino da Prússia era um dos mais descontentes, principalmente por disputar com o Império da Áustria a hegemonia do bloco dentro da Confederação Germânica. E na esteira desse descontentamento é que surgiu o desejo de unificação do povo alemão em um estado-nação.


Os efeitos guerras desse processo, que coincidiram com um cenário político brasileiro no qual se vislumbrava o fim da escravidão e a necessidade de inserção da mão-de-obra livre na matriz produtiva nacional – mas também da ideologia do “branqueamento” da população -, fez com que uma rota imigratória de germânicos entre a Europa e o Brasil se estabelecesse.


A Rota Jucu


No Espírito Santo, que já havia testado sem muito sucesso a importação de mão de obra com os açoriano de Viana, em 1812, a importação dos germânicos para ocupar o “vazio territorial” das terras montanhosas – nas colônias de Santa Leopoldina e Santa Isabel - apresentou-se como uma alternativa atraente, porque, adicionalmente, esses imigrantes (notadamente camponeses germânicos) poderiam ajudar a suprir a demanda crescente por gêneros agrícolas na província.


Figura 1 - Marco da colonização germânica, fixado na Serra da Boa Vista, em Domingos Martins

Assim, após fundar a Colônia de Santa Isabel, o Presidente da Província (assim se denominava estad
o à época), Luiz Pedreira do Couto Ferraz, solicitou ao Imperador o envio de famílias de imigrantes germânicos para colonizar o lugar.


Atendido em seu pedido, o Presidente da Província viu chegar a Vitória, a bordo do navio Éolo, em 21 de dezembro de 1846, a primeira leva de imigrantes germânicos, composta por 29 famílias prussianas, que foram encaminhadas para a nova colônia em 27 de janeiro de 1847, naquela que ficou conhecida como Rota Jucu. Mas esse foi só o início do processo de colonização na Colônia de Santa Isabel, como veremos adiante.


A Vila Nacional do Braço do Sul


Depois da instalação das primeiras famílias de imigrantes, no núcleo original de Santa Isabel, que é o local no qual situa-se o marco da colonização (fig.01), na entrada para Biriricas (margem direita, sentido Vitória-Minas), a colônia cresceu e logo os imigrantes moveram-se na direção de onde atualmente está Santa Isabel e, posteriormente, Campinho (Domingos Martins). E, seguindo esse ritmo de crescimento, consta que com sua nomeação pela Coroa, Adalberto Jahn contratou, em 1858, o agrimensor Hermann Steinkopf, para inventariar as terras na direção sudoeste, às margens do rio Braço do Sul, a fim de para elas encaminhar novas famílias (descendentes dos primeiros imigrantes e nacionais). Steinkopf, em seu trabalho, parece ter gostado tanto dos aspectos geográficos das novas terras das quais fazia o reconhecimento, que chegou a adquirir nelas um lote, sendo, ao que parece, seu papel também importante no convencimento de Jahn sobre ser o novo lugar o mais apropriado para realizar a necessária ampliação da colônia.

Nessas novas terras inventariadas inicialmente por Steinkopf, no ano de 1860 o Ministro da Agricultura, Manoel Felizardo de Souza e Mello, atendendo a solicitações de Jahn, mandou que o engenheiro Pedro Cláudio Soído demarcasse 100 novos prazos, projetando uma ponte sobre o Rio Braço do Sul, que começou a ser construída em 1861. Mas há evidências de que, desde as primeiras medições de Steinkopf, algumas famílias começaram a se instalar na vila, tanto que o primeiro nascimento registrado nela,  o de Gustav Fischer,  foi registrado em de 11 de março de 1961, conforme consta no livro da Igreja Luterana de Campinho, acontecendo mais de um ano antes da sua inauguração oficial. 

Todavia, a ocupação da vila começa a intensificar-se apenas no ano de 1862, quando o Diretor da Colônia de Santa Isabel recebe mais uma leva de famílias imigrantes, enviando 99 pessoas, incluindo entre estas 10 famílias nacionais, para a região do Braço do Sul, na qual já se construía uma ponte e um barracão para recebê-las. Esse local, que fica na margem esquerda do rio (sentido Vitória-Minas), onde atualmente está a Macefel, foi nomeado, através do relatório de 22 de outubro de 1862, do Ministro e Secretário da Província de Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Coronel Engenheiro Pedro de Alcântara Bellegarde, Vila Nacional do Braço do Sul.

Nesta vila instalaram-se, a partir de 1862, os peregrinos do A. Borsing, as primeiras gerações de famílias hoje tradicionais na região, como é o caso dos Kuster (lote 253 A e B, de Johann Kuster,  correspondia ao trecho em que se situa a parte central da cidade até a subida para Bom Jesus); dos Schneider ( lote 567, Heinrich Schneider, onde hoje está o Bairro N.S. da Penha até próximo ao Show House); Rupf ( lote 251, de Herman Rupf, de onde fica Santa Rita até o Apollo); e Wassem (Vale das Palmas, de Jacob Wassem), entre outras famílias.


Figura 2 - O casal Emil Rupf (26/06/1866) e Johann e Therese Kuster (08/05/1863) estão entre os primeiros brasileiros nascidos na Vila do Braço do Sul. Na foto, Emil e Johanne (à frente) com sua prole.


O lado direito do Rio Braço do Sul foi ocupado um pouco mais tarde, passando a ser mesmo povoado a partir da segunda década do século XX, quando Emílio Entringer comprou um lote e fez construir nele algumas casas. Contudo, foi nesse lado que Pedro Claudio Soído mediu a maior parte dos lotes durante seu trabalho, dando origem àquilo que hoje são as localidades de Morada Ponto Alto, Soído de Baixo e Nova Almeida, por exemplo. Mas, é bom que se considere, também, que desse trabalho do engenheiro Soído (e daquele posterior a ele como continuidade) deriva o nascimento de Rio Fundo e Santa Maria de Marechal. Tanto isso é fato que o trabalho dos agrimensores constitui-se em algo permanente, como comprova uma solicitação de Jacob Kiefer, em dezembro de 1881 à Comissão de Medição, requerendo um lote na localidade de Rio Fundo.

 A Rota Benevente

Já a história de Araguaya e Victor Hugo deriva de um outro movimento migratório, aquele ligado à rota Benevente e ao Núcleo Colonial Castello, sob a gestão do engenheiro Joaquim Adolpho Pinto Pacca, ocorrida mais tarde, a partir dos anos 1880, decorrente de um processo histórico diverso, que foi a Unificação Italiana.


Fig. 03 - Fronteiras da Península Itálica definidas pelo Congresso de Viena

Esse processo de unificação italiana, decorrente de reação de nacionalistas à decisão do Congresso de Viena (1815) que retalhou o território da Península Itálica em diversos reinos (Reino Sardo-Piemontês, Reino Lombardo-Veneziano, Ducados de Parma, Módela e Toscana, Estados Pontifícios e Reino das Duas Scicílias), concluiu-se apenas em 1871, depois de várias guerras, apesar de completar-se apenas no ano de 1919, com a recuperação dos territórios do Trentino (ao norte) e da Ístria (a nordeste) antes sob o domínio do Império Austríaco.


Fig. 04 - Itália Unificada

Todas essa guerras, assim como uma conturbada inserção dos territórios na lógica capitalista que começava a hegemonizar no mundo, entretanto, serviram para degenerar sobremaneira as condições de vida no território da Itália unificada. A violência dos conflitos, mas também o atraso econômico e a periferização diante do processo de industrialização dos vizinhos (e a fome desses processos decorrente), fizeram surgir na população um desejo pela busca de uma vida melhor em outros lugares. Aliando-se isso ao contexto de um Brasil que desejava trocar a mão de obra escrava por trabalhadores assalariados (a abolição viria somente em 1888, mas a entrada do trabalho livre para "branquear" a população começou bem antes), aquele sonho de uma vida melhor dos italianos encontrou facilmente uma alternativa no outro lado do Atlântico. 

E foi buscando esse "sonho da  América" que os italianos começaram a chegar ao Espírito Santo. Assim, após a célebre Expedição Tabacchi (1874), que trouxe ao Brasil, a bordo do veleiro Sofia, 388 camponeses trentinos e vênetos, direcionados às terras de Pietro Tabacchi, no núcleo Timbuhy (Santa Teresa), inaugurando o movimento migratório em massa dos italianos, novas levas desses imigrantes começaram a chegar.

Todavia, as raízes da colonização italiana no município de Marechal Floriano estão fincadas não nessa primeira onda migratória, mas nas subsequentes, com o protagonismo de um novo destino: A Colônia do Rio Novo (1854-1880). Assim, com o objetivo de fornecer braços à lavoura cafeeira do sul do estado, os imigrantes italianos chegavam não com o objetivo de preencher o "vazio territorial", como ocorrera com os germânicos em Santa Isabel. As condições insatisfatórias que encontraram e sua postura contestadora, que ocasionou várias revoltas, é que forçou o Governo Provincial e o Império a organizar também o assentamento de parte desses novos imigrantes em lotes coloniais.  

Mas foi a partir de 1880, com a transformação de Rio Novo em município, a criação do Núcleo Colonial Castello e a nomeação do engenheiro Joaquim Adolfho Pinto Pacca para dirigir esse novo núcleo, que a colonização italiana no estado também ganha contornos de um movimento de povoamento, com a medição de lotes e a instalação neles das famílias de imigrantes. 


Fig. 5 Busto de Joaquim Adolfo Pinto Pacca, inaugurada em
08 de fevereiro de 2023 no distrito de Araguaya


Trabalhando com a divisão do território que administrava em "seções", as quais nomeava com nomes das filhas ou de pessoas por quem tinha afeição (Iracema, Carolina, Alexandrina, Victor Hugo), Pinto Pacca coordenou um verdadeiro movimento de "entrada", uma penetração nas selvas que acabou por servir como impulso fundante de diversas localidades, entre as quais situam-se Araguaya e Victor Hugo, hoje distritos de Marechal Floriano.

Fig. 6 - Lotes demarcados por determinação de Pinto Pacca na Seção Araguay (1884)

Como é possível perceber, após receber a incumbência de Administrar o Núcleo Colonial Castello, Pinto Pacca coordena um trabalho diligente de reconhecimento e delimitação de lotes para ocupação. Entre uma coisa e outra, obviamente passa-se algum tempo, de modo que data de 1888 apenas a chegada das famílias de Pietro Borgo e Giacomo Gagno à Seção Alexandrina. No ano seguinte, 1889, as famílias Cosmo e Moretti chegam à Seção Victor Hugo. Estava fincada em solo florianense as bases para a colonização italiana.

O reencontro de povos europeus na América

Mesmo advindos de rotas muito diversas, e mesmo com objetivos iniciais contrastantes (os germânicos já chegaram destinados ao povoamento e os italianos chegaram como mão de obra para as lavouras de café), esses povos europeus se encontraram nas montanhas capixabas na fundação do hoje município de Marechal Floriano. E na sinergia dessas culturas, ne sua força de trabalho e criatividade, no contato com a natureza pujante e a terra fértil, nasceu Marechal Floriano, que com a Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo, após a primeira década do século XX, quando ficou pronto o trecho que corta o território, alcançou integração eficiente.

Fig. 7 - Cartaz da XXI edição da festa da colonização
ítalo-germânica de Marechal Floriano

Essa simbiose das culturas tão diversas que construiram a cultura Florianense é anualmente comemorada com a realização do festival ítalo-germânico, no qual a cidade se reúne para receber visitantes e reverenciar sua história e sua cultura. Normalmente a festa transcorre em todo um final de semana e, além de produzir renda, promove a vivência cultural da cidade, envolvendo os florianenses e os turistas em uma atmosfera de confraternização e de ação de graças por tudo aquilo que foi historicamente construído e conquistado.

A partir de 2023 também acontece a Semana de Promoção da Memória Histórica e Cultural, com uma programação toda voltada para eventos culturais, como Festa literária Serestas de rua, Festival de sabores, mostra de Cinema e Vídeo, palestras, rodas de conversa, apresentações musicais e lançamentos de livros, entre outra atividades. A "Semana" é produto de parceria público-privada, envolvendo, além dos entes públicos, que a instituíram através da Lei Municipal nº 2.523, de 18 de novembro de 2022, o setor produtivo e o terceiro setor, que a realizar através da AFHAL - Academia Florianense de História, Artes e Letras "Flores Passinato Kuster", fundada em 2021 para promover a cultura municipal.

Fig. 8 - Cartaz da I Semana..., em 2023.


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Referências

FRANCESCHETTO, Cilmar. Imigrantes Espírito Santo - Base de dados da imigração estrangeira no Espírito Santo nos séculos XIX e XX. Vitória: APEES, 2014. Coleção Canaã (v. 19).

GRASSELI, Renzo M. Colônias Imperiais na Terra do Café - Camponeses trentinos ( vênetos e lombardos) nas florestas brasileiras. Trad. Marcia Sarcinelli. Vitória: APEES, 2008. Coleção Canaã (v. 6).

HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Impérios:1875-1914. Trad. de Sieni Maria Campos e Yolanda Steidel de Toledo. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1988.

_______. A Era do Capital:1848-1875.  2 ed. Trad. Luciano Costa Neto. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1979.

SANTOS, Ezequiel Sampaio dos et allii. História, Geografia e Organização Social e política do Município de Domingos Martins. Colaboração de Joel Guilherme Velten e Roberto Anselmo Kautsky. Vitória: Brasília Editora, 1992.

PUPPIN, Douglas. Os De Nadai - Pietro:Benemérito da libertação de Roma. Vitória: IHGES, 2000 (Cadernos de História nº 39).

RÖLKE, Helmar. Raízes da imigração alemã - História e cultura alemã no estado do Espírito Santo. Prefácio de Cilmar Franceschetto. Vitória: APEES, 2016.

URBAN, Max. Santa Isabel - A primeira comunidade evangélica alemã no estado do Espírito Santo, Brasil. Trad. e notas explicativas de Valdemar Gaede. Vitória: IHGES, 2014. Cadernos de História (v. 57).

ZETTIRY, Arrigo de. Viagem às colônias italianas do Espírito Santo - Onde estão e como vivem os camponeses italianos no Espírito Santo - 1902. Trad. de Nerina Bortoluzzi Herzog e prefácio de Renzo M. Grasseli. Vitória: APEES, 2021. Coleção Canaã (v. 28).

*Nossos agradecimentos aos pesquisadores da memória de Marechal Floriano, Cezar Tadeu Ronchi Junior, Jair Littig e Giovana Schneider, pela valiosas horas de conversas e pelas fontes primárias para composição do presente trabalho.

** Historiador e escritor, Licenciado em Ciências Humanas e Sociais pela UFES, é titular da cadeira Arnaldo João Kuster, nº 11, na AFHAL - Academia Florianense de História, Artes e Letras "Flores Passinato Kuster".







sexta-feira, 12 de maio de 2023

Por quê é relevante o feriado municipal do "Dia da Estação"?


Fato controvertido, o feriado municipal do "Dia da Estação", comemorado no dia 13 de maio de cada ano após a edição da Lei Municipal nº 0054/93 (alterada pela lei Municipal 2.338/21, de 28 de julho de 2021), mobiliza defensores e detratores no debate público que se dá na cidade de Marechal Floriano.

Estação Marechal Floriano, inaugurada em 13/05/1900

Para o empresário Enildo Antônio Cardoso, que foi Secretário de Cultura do município quando o feriado foi criado, em 1993, a data comemorativa se justifica, por que a estação é, mais que um símbolo do município, uma referência histórica para a população, tendo o próprio nome do município surgido do nome da estação.

Esta mesma visão é compartilhada pela gestora cultural Sônia Mara Veloso Werneck, que esteve à frente da ação que culminou com o tombamento da Estação. Segundo Sônia, a localidade tinha o nome de Vila do Braço do Sul, ligada à Colônia de Santa Isabel, município de Viana, quando, em 1900, foi inaugurada a estação ferroviária nessa vila, com o nome de estação Marechal Floriano. E esse evento foi tão importante, que as pessoas passaram não apenas a denominar a estação pelo nome de Marechal Floriano, mas lentamente foram se apropriando do nome como sendo de toda a vila. " Foi o povo que adotou o nome como sendo o do lugar, não foi algo imposto por uma lei ou decreto vindo de cima. Assim, a estação faz parte do próprio processo de construção identitária da população florianense ", explicou a gestora cultural.

A publicação do jornal O Cachoeirano mostra que, na inauguração, o nome
Marechal Floriano referia-se apenas à estação e não a todo o lugar.


E de fato a estação teve papel tão relevante para a população que esta passou a adotar seu nome como sendo o nome do lugar, conforme comprova a carta do morador Hermann Hülle, que consta do acervo de Jair Littig, pesquisador da memória florianense. A fonte comprova que, apenas dois meses após a inauguração da estação, o morador já se referia ao seu endereço de remetente como sendo Marechal Floriano, e não Vila do Braço do Sul, conforme constava oficialmente.


Na documentação oficial, alguns registros de terras também apresentam o lugar como sendo Marechal Floriano (e não Vila do Braço do Sul) já no início do século XX. Uma aquisição de Roberto Hertel, datada de outubro de 1917, firmada em Araguaya (então já distrito do município de Santa Izabel), atesta essa denominação. A curiosidade desse documento é que o lugar Marechal Floriano aparece como vila do Distrito de Araguaya nesse período, levando-se em conta que hoje é Araguaya que é distrito do município de Marechal Floriano.



Em sua obra Marechal Floriano... Resgatando Memórias (2018), a escritora florianense Giovana Cristina Schneider apresenta também muitos anúncios comerciais da Vila do Braço do Sul publicados no início do séc. XX, referindo-se ao lugar como sendo Marechal Floriano. Na hemeroteca da Biblioteca Nacional, por seu turno, estão depositadas fontes, mostrando anúncios publicitários, que corroboram a tese de que a população adotou o nome da estação como sendo o do lugar, mesmo sem que houvesse qualquer determinação oficial nesse sentido.

Anúncio publicado no Diário da Manhã em 1916



Mas mesmo sendo consagrado o nome de Marechal Floriano como costume dos locais para se referirem ao seu lugar de habitação, é somente em 1964 que oficialmente a localidade torna-se o distrito de Marechal Floriano, administrativamente ligado ao município de Domingos Martins. E é só em 30 de junho de 1991 que vota pelo "sim" e se emancipa (ato oficializado através da Lei Estadual nº 4.571/1991, de 31 de outubro de 1991), tornando-se a cidade de Marechal Floriano.

Historicamente, então, o feriado encontra justificação no fato de que a estação tornou-se um símbolo tão importante para os moradores, que o próprio nome do município dela deriva, sendo consagrado pela população local, que acolheu-a como elemento que construiu a própria identidade florianense.

*Licenciado em Ciências Humanas e Sociais pela UFES e titular da cadeira Arnaldo João Kuster, nº 11, na  AFHAL - Academia Florianense de História, Artes e Letras "Flores Passinato Kuster".